Existe um "sub-eu" vagando na internet
Arnaldo Jabor
Foto: Reprodução
Não estou no “twitter”, não sei o que é o “twitter”, jamais entrarei
neste terreno baldio e, incrivelmente, tenho 26 mil “seguidores” no
“twitter”. Quem me pôs lá? Quem foi o canalha que usou meu nome? Jamais
saberei. Vivemos no poço escuro da web. Ou buscamos a exposição total
para ser “celebridade” ou usamos esse anonimato irresponsável com nome
dos outros. Tem gente que fala para mim: “Faz um blog, faz um blog!”
Logo eu, que já sou um blog vivo, tagarelando na TV, rádio e jornais...
Jamais farei um blog, este nome que parece um coaxar de sapo-boi. Quero o
passado. Quero o lápis na orelha do quitandeiro, quero o gato do
armazém dormindo no saco de batatas, quero o telefone preto, de disco,
que não dá linha, em vez dos gemidinhos dos celulares incessantes.
Comunicar o quê? Ninguém tem nada a dizer. Olho as opiniões, as
discussões “online” e só vejo besteira, frases de 140 caracteres para
nada dizer. Vivemos a grande invasão dos lugares-comuns, dos uivos de
medíocres ecoando asnices para ocultar sua solidão deprimente.
O que espanta é a velocidade da luz para a lentidão dos
pensamentos, uma movimentação “em rede” para raciocínios lineares. A boa
e velha burrice continua intocada, agora disfarçada pelo charme da
rapidez. Antigamente, os burros eram humildes; se esgueiravam pelos
cantos, ouvindo, amargurados, os inteligentes deitando falação. Agora
não; é a revolução dos idiotas online.
Quero sossego, mas querem me expandir, esticar meus braços em
tentáculos digitais, meus olhos no “google”, (“goggles” – olhos
arregalados) em órbitas giratórias, querem que eu seja ubíquo, quando
desejo caminhar na condição de pobre bicho bípede; não quero tudo saber,
ao contrário, quero esquecer; sinto que estão criando desejos que não
tenho, fomes que perdi. Estamos virando aparelhos; os homens andam como
robôs, falam como microfones, ouvem como celulares, não sabemos se
estamos com tesão ou se criam o tesão em nós. O Brasil está tonto,
perdido entre tecnologias novas cercadas de miséria e estupidez por
todos os lados. A tecnociência nos enfiou uma lógica produtiva de
fábricas vivas, chips, pílulas para tudo, enquanto a barbárie mais
vagabunda corre solta no País, balas perdidas, jaquetas e tênis
roubados, com a falsa esquerda sendo pautada pela mais sinistra direita
que já tivemos, com o Jucá e o Calheiros botando o Chávez no Mercosul
para “talibanizar” de vez a América Latina. Temos de ‘funcionar’ – não
viver. Somos carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa.
Assistimos a chacinas diárias do tráfico entre chips e “websites”.
ESCRITORES FANTASMAS
O leitor perguntará: “Por que este ódio todo, bom Jabor?” Claro que
acho a revolução digital a coisa mais importante dos séculos. Mas estou
com raiva por causa dos textos apócrifos que continuam enfiando na
internet com meu nome.
Já reclamei aqui desses textos, mas tenho de me repetir. Todo dia
surge uma nova besteira, com dezenas de e-mails me elogiando pelo que
eu “não” fiz. Vou indo pela rua e três senhoras me abordam – “Teu artigo
na internet é genial! Principalmente quando você escreve: ‘As mulheres
são tão cheirosinhas; elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...’”
“Não fui eu...”, respondo. Elas não ouvem e continuam: “Modéstia
sua! Finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres! Mandei isso para
mil amigas! Adoraram aquela parte: ‘Tenho horror à mulher perfeitinha.
Acho ótimo celulite...’” Repito que não é meu, mas elas (em geral
barangas) replicam: “Ah... É teu melhor texto...” – e vão embora,
rebolando, felizes.
Sei que a internet democratiza, dando acesso a todos para se
expressar. Mas a democracia também libera a idiotia. Deviam inventar um
“antispam” para bobagens.
Vejam mais o que “eu” escrevi: “As mulheres de hoje lutam para
ser magrinhas. Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de
cintura tão baixa que o cós acaba!”... Luto dia e noite contra cacófatos
e jamais escreveria “cós acaba!”. Mas, para todos os efeitos, fui eu.
Na internet eu sou amado como uma besta quadrada, um forte asno...
(dirão meus inimigos: “Finalmente, ele se encontrou...”)
Vejam as banalidades que me atribuem:
“Bom mesmo é ter problema na cabeça, sorriso na boca e paz no coração!”
Ou:
“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante,
chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche!”
Ainda sobre a mulher: “São escravas aparentemente alforriadas numa grande senzala sem grades.”
Há
um texto bem gay sobre os gaúchos, há mais de um ano. Fui “eu”, a mula
virtual, quem escreveu tudo isso. E não adianta desmentir.
Esta semana descobri mais. Há um texto rolando (e sendo elogiado)
sobre “ninguém ama uma pessoa pelas qualidades que ela tem” ou outro em
que louvo a estupidez, chamado “Seja Idiota!”...
Mas o pior são artigos escritos por inimigos covardes para me
sujar. Há um texto de extrema direita, boçal, xingando os brasileiros,
onde há coisas como: “Brasileiro é babaca. Elege para o cargo mais
importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem
para ser gari. Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira. Brasileiro é
vagabundo por excelência. Um povo que se conforma em receber uma esmola
do governo de 90 reais mensais para não fazer nada, não pode ser
adjetivado de outra coisa que não de vagabundo. 90% de quem vive na
favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Muito pai de família
sonha que o filho seja aceito como ‘aviãozinho’ do tráfico para ganhar
uma grana legal. Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam
existido condições de se tocar os bandidos de lá para fora... O
brasileiro merece! É igual a mulher de malandro – gosta de apanhar...”
E o pior é que muita gente me cumprimenta pela “coragem” de ter escrito esta sordidez.
Ou seja: admiram-me pelo que eu teria de pior; sou amado pelo que
não escrevi. Na internet, eu sou machista, gay, idiota, corno e
fascista. É bonito isso?
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