segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Regional | USP São Carlos: Grupo busca a cura para Doença de Chagas

Doença, descoberta pelo cientista brasileiro Carlos Chagas há mais de um século, ainda não possui cura

Tatiana Zanon, Assessoria
 
Foto: Divulgação
No Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, o grupo de pesquisa coordenado pelo docente Adriano Defini Andricopulo preocupa-se e direciona suas pesquisas a um assunto preocupante, que não tem a merecida atenção: doenças infecciosas negligenciadas, onde se incluem a malária, leishmaniose, esquistossomose, dengue, entre outras, além da Doença de Chagas, a qual ganha atenção maior do professor.
 
A Doença de Chagas, descoberta, inclusive, por um cientista brasileiro, Carlos Chagas, foi diagnosticada há mais de um século, mas, até agora, não possui uma cura. Sua incidência é em toda América Latina, porém a preocupação começa a aparecer, também, em países da América do Norte. O número médio de vítimas gira em torno de 16 milhões, levando a cerca de 20 mil mortos. "É uma doença problemática, de fato, pela morbidade que causa", explica Adriano.
 
A doença é dividida em duas fases: na fase aguda, ou seja, inicial, onde os sintomas são febre, dores de cabeça, na maior parte das vezes a vítima confunde tais sintomas com gripes ou resfriado. "Na fase aguda, onde a cura ainda é possível, não se consegue diagnosticar a doença e, depois desses sintomas iniciais, o doente fica 10, 20 anos sem sentir nada. Passado esse período, os sintomas voltam, de forma mais grave, e já não há mais nenhuma solução", explica Adriano.
 
Graças aos esforços do professor e de seu grupo de pesquisa, do IFSC, a Organização Mundial de Saúde (OMS) convidou-os para fazer parte de seu Centro de Pesquisa, sediado no Brasil, e o primeiro da América Latina, que se preocupa com esse tipo de problema e sua erradicação.
 
Através do estudo de alvos moleculares, que vão sendo preparados para atuar contra as moléculas vitais de sobrevivência dos parasitas, o grupo de pesquisa de Adriano, que também conta com a colaboração dos professores Otávio Thiemann, Rafael Guido e Glaucius Oliva, do IFSC, e Luiz Carlos Dias, da Universidade de Campinas (Unicamp), tem avançado de forma positiva em seus estudos.
 
As especificidades da pesquisa
 
Um medicamento, quando administrado, passa por diversas barreiras, em nosso organismo, para chegar até a via sistêmica. Percorrido esse caminho, é possível alcançar a proteína alvo, que é quando um fármaco consegue desenvolver seu efeito terapêutico, sua função de combate. "De nada adianta você encontrar uma molécula com grande potência para matar um parasita, se essa mesma estrutura química não contiver propriedades corretas para ter-se o processo de administração, distribuição, metabolismo e excreção, que é necessário para que o fármaco seja válido", conta Adriano. Os estudos direcionados a descobrir esse "caminho" necessário que o fármaco irá percorrer, denominado estudo fármaco-cinético, também têm a atenção do grupo do pesquisador, e disponibiliza a primeira base de dados da América Latina, para acesso e acompanhamento de outros estudiosos do assunto.
 
Sobre os estudos de um medicamento que possa trazer a cura da doença de Chagas, o grupo de Adriano já desenvolve estudos in vitro e in vivo, e a relação com a OMS e com outros grupos que também fazem parte da rede tem sido importante e fundamental para a evolução dos estudos.
 
Na pesquisa do docente, há vários aspectos inovadores: primeiramente, a grande interdisciplinaridade. Conta com pesquisadores de áreas diversas, como parasitologia, química medicinal e biologia molecular. "A OMS desenvolve um sistema do tipo empresa farmacêutica, muito detalhado e estabelecido. Dessa rede, participam universidades do mundo todo, inclusive a USP, que agora figura nessa lista. Há também a participação de diversas indústrias farmacêuticas, como a Merck e Farmacopeia, só para citar algumas", diz Adriano. "A OMS consegue coordenar toda essa rede e fazê-la funcionar corretamente".
 
A busca pela cura
 
No caso da Doença de Chagas, o grupo de pesquisa de Adriano tem trabalhado com algumas proteínas-alvo do Trypanosoma Cruzi, o agente causador da doença, isolando tais proteínas para, posteriormente, produzi-las e encontrar pequenas moléculas que possam inibir sua atividade, causando uma condição letal à sobrevivência e desenvolvimento do parasita. "Através de ensaios in vitro, realizados nos laboratórios, fazemos os testes com moléculas candidatas a fármaco, que irão inibir as enzimas responsáveis pela sobrevivência do parasita".
Atualmente, uma média de 300 compostos será sintetizada, com moléculas que já foram confirmadas como inibidoras. A próxima fase será trabalhar as propriedades fármaco-cinéticas, ou seja, a melhoria para percorrer todo o "caminho" num organismo infectado. "Precisamos observar diversas propriedades como absorção do composto, solubilidade, biodisponibilidade. Esse trabalho é conjunto e cada um dos grupos que faz parte da rede da OMS presta auxílio, nas partes que lhe cabem". Adriano explica que a fase final, também chamada de fase clínica, quando empresas farmacêuticas irão financiar testes em seres humanos, dos possíveis candidatos a fármaco, deve ser acelerada. "Esse tipo de pesquisa é diferente das pesquisas acadêmicas. Busca-se com mais rapidez a aplicação dos estudos desenvolvidos".

O docente afirma que o grande mérito de sua pesquisa consiste na integração de diferentes componentes, uma multidisciplinaridade raramente encontrada no Brasil e de forma tão consolidada. "A capacidade de trabalhar com moléculas sintéticas e fazer ensaios biológicos é algo difícil de encontrar e isso tem nos trazido credibilidade de grupos externos, onde se inclui a OMS".

Projeções futuras

Em comemoração ao Ano Internacional da Química, os debates serão intensos. "Teremos a reunião anual da Sociedade Brasileira de Química, a Escola Avançada de Química, da FAPESP, e nesses eventos as atividades e discussões serão grandes, também com o objetivo de atrair estudiosos para essa área", conta Adriano. "A pesquisa está muito favorável para 2011! Nosso maior desafio é encontrar um candidato clínico, ou seja, aquele que a indústria farmacêutica irá escolher para realizar testes em humanos. E nossa confiança nisso, no presente momento, é muito grande", finaliza o docente.

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