TRAUMA PELA DERROTA NA GUERRA DE 1982 AINDA É MUITO PRESENTE NO PAÍS
A luta diplomática entre a Argentina e a Reino Unido sobre a exploração de petróleo na costa das disputadas Ilhas Malvinas não se trata tanto de esfregar sal em velhas feridas, mas expor novas mágoas causadas pelo próprio governo argentino, segundo analistas políticos e consultores do setor de energia.
A guerra falida da Argentina contra os britânicos envolvendo o domínio das Malvinas em 1982 foi um momento doloroso e vergonhoso na história do país sul-americano. Nenhum dos dois países desistiu de suas reivindicações de soberania, mas equipamentos de uma empresa britânica chegaram às proximidades das Malvinas para iniciar a exploração.
A ideia de que a Argentina poderia apenas assistir enquanto empresas britânicas descobrem depósitos consideráveis de petróleo tão perto de sua costa seria um golpe esmagador para um país que já inveja as grandes descobertas de petróleo feitas nos últimos três anos no Brasil, seu vizinho.
Porém, embora o governo argentino tenha expressado indignação em relação a essa possibilidade, ele pouco menciona uma clara ausência ressaltada pela empreitada britânica: nenhum equipamento de exploração de petróleo opera nas próprias águas argentinas, em grande parte porque as empresas petroleiras estão cautelosas em trabalhar na Argentina nos dias de hoje, afirmam analistas.
Apenas no último ano, o governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner nacionalizou a maior companhia aérea do país, confiscou bilhões de dólares em fundos de pensão privados e agora está tentando obter mais de US$ 6,5 bilhões em reservas em dinheiro para pagar dívidas externas há tempos vencidas.
A Argentina também possui um sistema de taxação de exportação que tem mantido baixos os preços domésticos do petróleo. Isso tem dissuadido algumas grandes empresas do segmento de investir na exploração de petróleo em alto-mar.
“Se não temos regras e preços estáveis que podem tornar os investimentos em alto-mar rentáveis, as empresas irão explorar outras regiões geológicas”, afirmou Daniel Montamat, economista e consultor de energia da Montamat y Asociados, empresa de consultoria do setor energético baseada em Buenos Aires. “Há pouquíssimas empresas explorando no mar argentino”, disse ele. “Deveria haver muito mais”.
Como as disputas sobre as Malvinas se esquentaram novamente em fevereiro, o governo de Kirchner acusou os britânicos de violar a soberania argentina e ameaçou dificultar a vida de navios petroleiros que passam pelas águas argentinas. O Ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, se encontrou na semana passada com Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas, para pressionar novamente a posição da Argentina de que os britânicos deveriam ser forçados a sentar e negociar reivindicações de soberania.
A reclamação central da Argentina é que o governo britânico não tenha o direito de explorar recursos unilateralmente nas águas “disputadas” nas proximidades das Ilhas Malvinas sem primeiro consultar e obter aprovação do governo argentino.
“O Reino Unido se recusa até mesmo a responder a solicitações das Nações Unidas para sentar e discutir o problema”, disse Lucio Garcia del Solar, diplomata argentino. Ele afirmou que, ao explorar petróleo nas águas que circundam as Ilhas Malvinas, os britânicos estavam violando uma resolução da ONU exigindo que os argentinos e os britânicos evitem qualquer novo desenvolvimento de recurso sem primeiro dialogar.
Os vizinhos defendem as reivindicações da Argentina. Em 23 de fevereiro, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva criticou a ONU em por não forçar os britânicos a negociar.
Mesmo assim, muitos analistas dizem que as motivações do governo de Kirchner são em grande parte políticas. Kirchner tem lutado para reverter sua debilitada popularidade desde um longo conflito com fazendeiros envolvendo taxação de exportação. Seu marido, Néstor Kirchner, que foi presidente antes dela e hoje lidera o Partido Justicialista, sofreu resultados decepcionantes nas eleições do congresso, em junho.
“Com as eleições do próximo ano e uma situação fiscal em deterioração, o convite para defender as ilhas é parte da campanha para reviver os peronistas e eleger um dos Kirchner novamente”, afirmou Riordan Roett, diretor do Programa de Estudos para a América Latina da Johns Hopkins University.
A antiga junta militar argentina teve um propósito similar em 1982, quando o vice-general Leopoldo Galtieri provocou um confronto sangrento com os britânicos. A junta era criticada pelo fraco gerenciamento econômico e abusos dos direitos humanos, e esperava que a recuperação das ilhas, confiscadas pelos britânicos em 1833, uniria os argentinos novamente.
O tiro saiu pela culatra quando os britânicos enviaram uma frota para recuperar as ilhas e venceram uma guerra que durou 74 dias, resultando na morte de cerca de 900 soldados e civis, incluindo 649 argentinos.
A derrota colocou muitos argentinos contra o governo militar, acelerando sua queda do poder. Desde então, sucessivos governos têm insistido em manter vivas suas reivindicações de soberania, embora poucas pessoas esperem que a preparação da Argentina leve a outro conflito militar.
A Argentina produz petróleo há mais de uma década, mas ainda não encontrou os bilhões de barris que o Brasil e seus parceiros estrangeiros descobriram perto do Rio de Janeiro desde 2007.
Uma parceria de empresas petroleiras está prevista para conduzir estudos sísmicos este ano em alto-mar na altura do sul da Argentina e ao redor de Buenos Aires. Porém, nenhum equipamento foi solicitado e nenhuma data para a escavação foi estabelecida, disse Alejandro Albanese, especialista em energia do Instituto de Planejamento Estratégico, um grupo de pesquisa portenho.
Muito embora especialistas do segmento do petróleo duvidem que a pequena empresa britânica que agora perfura em alto-mar na altura das Malvinas possa encontrar um poço submarino, a descoberta de uma reserva de bom tamanho seria algo difícil de suportar para os argentinos.
“É como uma namorada perdida”, disse Federico Mac Dougall, economista e analista político da Universidade de Belgrano, em Buenos Aires, referindo-se às Malvinas. “A Argentina perdeu sua namorada e agora ela está saindo com outra pessoa; juntos, o novo casal pode ficar rico com o petróleo.”
Do G1 - O Portal de Notícias da Globo
A luta diplomática entre a Argentina e a Reino Unido sobre a exploração de petróleo na costa das disputadas Ilhas Malvinas não se trata tanto de esfregar sal em velhas feridas, mas expor novas mágoas causadas pelo próprio governo argentino, segundo analistas políticos e consultores do setor de energia.
A guerra falida da Argentina contra os britânicos envolvendo o domínio das Malvinas em 1982 foi um momento doloroso e vergonhoso na história do país sul-americano. Nenhum dos dois países desistiu de suas reivindicações de soberania, mas equipamentos de uma empresa britânica chegaram às proximidades das Malvinas para iniciar a exploração.
A ideia de que a Argentina poderia apenas assistir enquanto empresas britânicas descobrem depósitos consideráveis de petróleo tão perto de sua costa seria um golpe esmagador para um país que já inveja as grandes descobertas de petróleo feitas nos últimos três anos no Brasil, seu vizinho.
Porém, embora o governo argentino tenha expressado indignação em relação a essa possibilidade, ele pouco menciona uma clara ausência ressaltada pela empreitada britânica: nenhum equipamento de exploração de petróleo opera nas próprias águas argentinas, em grande parte porque as empresas petroleiras estão cautelosas em trabalhar na Argentina nos dias de hoje, afirmam analistas.
Apenas no último ano, o governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner nacionalizou a maior companhia aérea do país, confiscou bilhões de dólares em fundos de pensão privados e agora está tentando obter mais de US$ 6,5 bilhões em reservas em dinheiro para pagar dívidas externas há tempos vencidas.
A Argentina também possui um sistema de taxação de exportação que tem mantido baixos os preços domésticos do petróleo. Isso tem dissuadido algumas grandes empresas do segmento de investir na exploração de petróleo em alto-mar.
“Se não temos regras e preços estáveis que podem tornar os investimentos em alto-mar rentáveis, as empresas irão explorar outras regiões geológicas”, afirmou Daniel Montamat, economista e consultor de energia da Montamat y Asociados, empresa de consultoria do setor energético baseada em Buenos Aires. “Há pouquíssimas empresas explorando no mar argentino”, disse ele. “Deveria haver muito mais”.
Como as disputas sobre as Malvinas se esquentaram novamente em fevereiro, o governo de Kirchner acusou os britânicos de violar a soberania argentina e ameaçou dificultar a vida de navios petroleiros que passam pelas águas argentinas. O Ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, se encontrou na semana passada com Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas, para pressionar novamente a posição da Argentina de que os britânicos deveriam ser forçados a sentar e negociar reivindicações de soberania.
A reclamação central da Argentina é que o governo britânico não tenha o direito de explorar recursos unilateralmente nas águas “disputadas” nas proximidades das Ilhas Malvinas sem primeiro consultar e obter aprovação do governo argentino.
“O Reino Unido se recusa até mesmo a responder a solicitações das Nações Unidas para sentar e discutir o problema”, disse Lucio Garcia del Solar, diplomata argentino. Ele afirmou que, ao explorar petróleo nas águas que circundam as Ilhas Malvinas, os britânicos estavam violando uma resolução da ONU exigindo que os argentinos e os britânicos evitem qualquer novo desenvolvimento de recurso sem primeiro dialogar.
Os vizinhos defendem as reivindicações da Argentina. Em 23 de fevereiro, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva criticou a ONU em por não forçar os britânicos a negociar.
Mesmo assim, muitos analistas dizem que as motivações do governo de Kirchner são em grande parte políticas. Kirchner tem lutado para reverter sua debilitada popularidade desde um longo conflito com fazendeiros envolvendo taxação de exportação. Seu marido, Néstor Kirchner, que foi presidente antes dela e hoje lidera o Partido Justicialista, sofreu resultados decepcionantes nas eleições do congresso, em junho.
“Com as eleições do próximo ano e uma situação fiscal em deterioração, o convite para defender as ilhas é parte da campanha para reviver os peronistas e eleger um dos Kirchner novamente”, afirmou Riordan Roett, diretor do Programa de Estudos para a América Latina da Johns Hopkins University.
A antiga junta militar argentina teve um propósito similar em 1982, quando o vice-general Leopoldo Galtieri provocou um confronto sangrento com os britânicos. A junta era criticada pelo fraco gerenciamento econômico e abusos dos direitos humanos, e esperava que a recuperação das ilhas, confiscadas pelos britânicos em 1833, uniria os argentinos novamente.
O tiro saiu pela culatra quando os britânicos enviaram uma frota para recuperar as ilhas e venceram uma guerra que durou 74 dias, resultando na morte de cerca de 900 soldados e civis, incluindo 649 argentinos.
A derrota colocou muitos argentinos contra o governo militar, acelerando sua queda do poder. Desde então, sucessivos governos têm insistido em manter vivas suas reivindicações de soberania, embora poucas pessoas esperem que a preparação da Argentina leve a outro conflito militar.
A Argentina produz petróleo há mais de uma década, mas ainda não encontrou os bilhões de barris que o Brasil e seus parceiros estrangeiros descobriram perto do Rio de Janeiro desde 2007.
Uma parceria de empresas petroleiras está prevista para conduzir estudos sísmicos este ano em alto-mar na altura do sul da Argentina e ao redor de Buenos Aires. Porém, nenhum equipamento foi solicitado e nenhuma data para a escavação foi estabelecida, disse Alejandro Albanese, especialista em energia do Instituto de Planejamento Estratégico, um grupo de pesquisa portenho.
Muito embora especialistas do segmento do petróleo duvidem que a pequena empresa britânica que agora perfura em alto-mar na altura das Malvinas possa encontrar um poço submarino, a descoberta de uma reserva de bom tamanho seria algo difícil de suportar para os argentinos.
“É como uma namorada perdida”, disse Federico Mac Dougall, economista e analista político da Universidade de Belgrano, em Buenos Aires, referindo-se às Malvinas. “A Argentina perdeu sua namorada e agora ela está saindo com outra pessoa; juntos, o novo casal pode ficar rico com o petróleo.”
Do G1 - O Portal de Notícias da Globo
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