Um dos cenários do conflito que deixou quase 23 mil mortos no México, segunda maior cidade do país vive em clima de insegurança
Marina Morena Costa, do IG em Guadalajara-México
Picapes 4x4 da americana Ford contrastam com a frota de Fiats 147, Chevettes, Santanas, Fuscas e modelos antigos de Gol, Corsa e Fiesta que monopolizam o tráfego das limpas e bem cuidadas ruas de Guadalajara, a segunda maior cidade do México, localizada no Estado de Jalisco, no sudoeste do país.
Para a população de 4,3 milhões de habitantes da zona metropolitana, os carrões indicam a presença de um personagem que marca o cotidiano da cidade há 30 anos. “Quando você vê uma caminhoneta no trânsito, pode ter certeza de que é de um narcotraficante ou de um filho deles ou de algum parente”, contou ao iG a arquiteta Amanda Martínez, enquanto caminhava pela Avenida Lázaro Cárdenas, no centro de Guadalajara.
O também arquiteto Adrian, seu marido e sócio, concorda: “Pode ser que seja um fazendeiro ou um empresário que use a picape para transportar materiais, mas é muitíssimo provável que seja um traficante. Carro grande, blindado, com vidros escuros, ouvindo música alta... você sabe quem é.”
“Aquele ali deve ser um, por exemplo”, diz Amanda sobre um carro que passava, para ser imediatamente repreendida pelo marido: “Não aponte.”
A arquitera ri, explicando com naturalidade: “É, não é bom ficar apontando e dizendo ‘és un narco, és um narco’, porque não é bom enfrentá-los em nenhuma ocasião. Se eles não vão com a sua cara, disparam contra você e pronto”, relata.
Adrian completa: “Numa fila, numa briga de trânsito é sempre bom estar atento se você estiver diante de um narco, para não se expor a uma situação de risco.”
O medo se explica pela atual dura realidade do México, que é cenário da violência diária e crescente relacionada ao narcotráfico. Na segunda-feira de 14 de junho, 96 pessoas morreram em seis Estados mexicanos, no dia mais sangrento desde que o presidente Felipe Calderón lançou sua guerra contra os cartéis, em dezembro de 2006.
De acordo com o estudo “Radiografia das organizações narcotraficantes”, da Secretaria de Segurança Pública do México, os cartéis não se dedicam mais somente ao tráfico de drogas, mas também a 25 outras atividades criminosas, como tráfico de seres humanos, tráfico de armas, contrabando, fraude, pirataria, extorsão e sequestro.
O taxista Benjamin Betancur conta que a classe alta sente medo dos sequestros. Esse tipo de crime aumentou bastante no México nos últimos anos, pois começou a ser praticado pelos cartéis, que não atuavam nessa área. Segundo a organização México Unido Contra la Delincuencia, a prática cresceu 154% em cinco anos, passando de 323 casos em 2004 para 820 em 2008. “Gente rica está com medo sim. Não ando muito tarde por ruas distantes do centro, mas é só por precaução”, afirmou.
Origem do narcotráfico
Berço do narcotráfico mexicano, Guadalajara já viveu dias de intenso confronto entre as gangues criminosas. O episódio mais famoso foi um tiroteio em pleno estacionamento do aeroporto internacional, no qual o cardeal Juan Jesus Posadas e mais outras seis pessoas morreram assassinados em maio de 1993.
A cidade já foi controlada por grandes chefões do tráfico, como Miguel Ángel Félix Gallardo, Ernesto Fonseca Carrillo e Rafael Caro Quintero, fundadores na década de 80 do Cartel de Guadalajara, o primeiro do México.
Em 1989, o grupo dividiu-se quando Gallardo foi preso, dando origem aos cartéis de Tijuana e do Pacífico (ou de Sinaloa), a maior organização criminosa da América Latina, comandada por um dos homens mais procurados do México e dos EUA, Joaquín Guzmán Loera - conhecido como “El Chapo”.
Embora, segundo os habitantes de Guadalajara, os confrontos entre grupos rivais aconteçam atualmente com mais freqüência na periferia da cidade, onde o poder público aparece apenas para recolher os corpos das execuções, as conseqüências da violência são amplas.
Miriam Marquez, vendedora de uma loja de artesanatos de Tlaquepaque, cidade turística vizinha a Guadalajara, reclama da falta de turistas. “A violência tem afastado os visitantes. Veja as lojas, estão quase vazias”, reclamou.
Guerra contra o narcotráfico
Desde que assumiu o governo, em 1º de dezembro de 2006, Calderón adotou a guerra contra o narcotráfico como prioridade. O presidente mexicano mobilizou 50 mil membros das Forças Armadas, 40 mil agentes federais e sua frota policial, de 433 mil profissionais, para enfrentar o crime organizado.
Desde dezembro de 2006, os confrontos entre forças do governo e os criminosos deixaram um saldo de mais de 23 mil mortos, segundo dados de um relatório ainda confidencial do governo do México obtido pela BBC e pela Associated Press. Durante os seis anos de seu antecessor, Vicente Fox (2000-2006), 9 mil morreram na violência relacionada ao narcotráfico.
Especialistas avaliam que o governo de Calderón não conseguiu desarticular nenhum dos cartéis que atuam no país. Pelo contrário, as organizações criminosas contornam a ofensiva do Estado por meio de alianças e vêm expandindo sua área de atuação para além da fronteira mexicana, no território dos EUA. As principais organizações criminosas são os cartéis de Tijuana, Sinaloa, Los Zetas, Beltrán Levya, Juárez, Golfo, La Família, Colima, Milênio e Oaxaca.
José Reveles, jornalista com 40 anos de carreira e autor de diversos livros sobre o narcotráfico, acredita que a estratégia de Calderón é “fracassada”. “A guerra declarada pelo governo colocou milhares de soldados e policiais nas ruas, nas estradas, nas calçadas, estabelecendo um clima de violência insuportável em todo país”, afirmou.
Segundo ele, dos mortos, pelo menos 1,5 mil são funcionários do governo (policiais, agentes e militares) e 1 mil são menores “que o governo caracteriza como ‘efeito colateral’ da guerra”.
“Calderón deixará o país pior do que recebeu, com mais desemprego, violência, mortos e drogas, mais mexicanos querendo ir trabalhar nos EUA e mais pobres extremos. Há um pasto seco para alimentar o fogo da violência e do tráfico de drogas: quase 8 milhões de jovens não estudam nem trabalham, para os quais a criminalidade oferece o que o governo não pode dar: sentimento de pertencer a um grupo e visão de um futuro, ainda que efêmero”, disse.
A visão negativa sobre o governo não é restrita ao jornalista. Segundo pesquisa publicada pelo jornal Universal em 7 de junho, a popularidade de Calderón caiu praticamente dez pontos porcentuais, para 32,5%, em relação a março de 2009, quando era de 42%. Além disso, em março de 2009 somente 24,15% reprovavam o trabalho do presidente mexicano, percentual que hoje subiu para 42,7%.
O publicitário Ricardo Dias avalia que o presidente peca ao manter uma postura rígida perante os narcotraficantes. “A estratégia do governo anterior era negociar com o narcotráfico, abrir um diálogo. O narco se espalhou de tal forma que não dá mais para enfrentá-lo combatendo como numa guerra. É óbvio que o governo perderá”, afirmou.
Marina Morena Costa, do IG em Guadalajara-México
Picapes 4x4 da americana Ford contrastam com a frota de Fiats 147, Chevettes, Santanas, Fuscas e modelos antigos de Gol, Corsa e Fiesta que monopolizam o tráfego das limpas e bem cuidadas ruas de Guadalajara, a segunda maior cidade do México, localizada no Estado de Jalisco, no sudoeste do país.
Para a população de 4,3 milhões de habitantes da zona metropolitana, os carrões indicam a presença de um personagem que marca o cotidiano da cidade há 30 anos. “Quando você vê uma caminhoneta no trânsito, pode ter certeza de que é de um narcotraficante ou de um filho deles ou de algum parente”, contou ao iG a arquiteta Amanda Martínez, enquanto caminhava pela Avenida Lázaro Cárdenas, no centro de Guadalajara.
O também arquiteto Adrian, seu marido e sócio, concorda: “Pode ser que seja um fazendeiro ou um empresário que use a picape para transportar materiais, mas é muitíssimo provável que seja um traficante. Carro grande, blindado, com vidros escuros, ouvindo música alta... você sabe quem é.”
“Aquele ali deve ser um, por exemplo”, diz Amanda sobre um carro que passava, para ser imediatamente repreendida pelo marido: “Não aponte.”
A arquitera ri, explicando com naturalidade: “É, não é bom ficar apontando e dizendo ‘és un narco, és um narco’, porque não é bom enfrentá-los em nenhuma ocasião. Se eles não vão com a sua cara, disparam contra você e pronto”, relata.
Adrian completa: “Numa fila, numa briga de trânsito é sempre bom estar atento se você estiver diante de um narco, para não se expor a uma situação de risco.”
O medo se explica pela atual dura realidade do México, que é cenário da violência diária e crescente relacionada ao narcotráfico. Na segunda-feira de 14 de junho, 96 pessoas morreram em seis Estados mexicanos, no dia mais sangrento desde que o presidente Felipe Calderón lançou sua guerra contra os cartéis, em dezembro de 2006.
De acordo com o estudo “Radiografia das organizações narcotraficantes”, da Secretaria de Segurança Pública do México, os cartéis não se dedicam mais somente ao tráfico de drogas, mas também a 25 outras atividades criminosas, como tráfico de seres humanos, tráfico de armas, contrabando, fraude, pirataria, extorsão e sequestro.
O taxista Benjamin Betancur conta que a classe alta sente medo dos sequestros. Esse tipo de crime aumentou bastante no México nos últimos anos, pois começou a ser praticado pelos cartéis, que não atuavam nessa área. Segundo a organização México Unido Contra la Delincuencia, a prática cresceu 154% em cinco anos, passando de 323 casos em 2004 para 820 em 2008. “Gente rica está com medo sim. Não ando muito tarde por ruas distantes do centro, mas é só por precaução”, afirmou.
Origem do narcotráfico
Berço do narcotráfico mexicano, Guadalajara já viveu dias de intenso confronto entre as gangues criminosas. O episódio mais famoso foi um tiroteio em pleno estacionamento do aeroporto internacional, no qual o cardeal Juan Jesus Posadas e mais outras seis pessoas morreram assassinados em maio de 1993.
A cidade já foi controlada por grandes chefões do tráfico, como Miguel Ángel Félix Gallardo, Ernesto Fonseca Carrillo e Rafael Caro Quintero, fundadores na década de 80 do Cartel de Guadalajara, o primeiro do México.
Em 1989, o grupo dividiu-se quando Gallardo foi preso, dando origem aos cartéis de Tijuana e do Pacífico (ou de Sinaloa), a maior organização criminosa da América Latina, comandada por um dos homens mais procurados do México e dos EUA, Joaquín Guzmán Loera - conhecido como “El Chapo”.
Embora, segundo os habitantes de Guadalajara, os confrontos entre grupos rivais aconteçam atualmente com mais freqüência na periferia da cidade, onde o poder público aparece apenas para recolher os corpos das execuções, as conseqüências da violência são amplas.
Miriam Marquez, vendedora de uma loja de artesanatos de Tlaquepaque, cidade turística vizinha a Guadalajara, reclama da falta de turistas. “A violência tem afastado os visitantes. Veja as lojas, estão quase vazias”, reclamou.
Guerra contra o narcotráfico
Desde que assumiu o governo, em 1º de dezembro de 2006, Calderón adotou a guerra contra o narcotráfico como prioridade. O presidente mexicano mobilizou 50 mil membros das Forças Armadas, 40 mil agentes federais e sua frota policial, de 433 mil profissionais, para enfrentar o crime organizado.
Desde dezembro de 2006, os confrontos entre forças do governo e os criminosos deixaram um saldo de mais de 23 mil mortos, segundo dados de um relatório ainda confidencial do governo do México obtido pela BBC e pela Associated Press. Durante os seis anos de seu antecessor, Vicente Fox (2000-2006), 9 mil morreram na violência relacionada ao narcotráfico.
Especialistas avaliam que o governo de Calderón não conseguiu desarticular nenhum dos cartéis que atuam no país. Pelo contrário, as organizações criminosas contornam a ofensiva do Estado por meio de alianças e vêm expandindo sua área de atuação para além da fronteira mexicana, no território dos EUA. As principais organizações criminosas são os cartéis de Tijuana, Sinaloa, Los Zetas, Beltrán Levya, Juárez, Golfo, La Família, Colima, Milênio e Oaxaca.
José Reveles, jornalista com 40 anos de carreira e autor de diversos livros sobre o narcotráfico, acredita que a estratégia de Calderón é “fracassada”. “A guerra declarada pelo governo colocou milhares de soldados e policiais nas ruas, nas estradas, nas calçadas, estabelecendo um clima de violência insuportável em todo país”, afirmou.
Segundo ele, dos mortos, pelo menos 1,5 mil são funcionários do governo (policiais, agentes e militares) e 1 mil são menores “que o governo caracteriza como ‘efeito colateral’ da guerra”.
“Calderón deixará o país pior do que recebeu, com mais desemprego, violência, mortos e drogas, mais mexicanos querendo ir trabalhar nos EUA e mais pobres extremos. Há um pasto seco para alimentar o fogo da violência e do tráfico de drogas: quase 8 milhões de jovens não estudam nem trabalham, para os quais a criminalidade oferece o que o governo não pode dar: sentimento de pertencer a um grupo e visão de um futuro, ainda que efêmero”, disse.
A visão negativa sobre o governo não é restrita ao jornalista. Segundo pesquisa publicada pelo jornal Universal em 7 de junho, a popularidade de Calderón caiu praticamente dez pontos porcentuais, para 32,5%, em relação a março de 2009, quando era de 42%. Além disso, em março de 2009 somente 24,15% reprovavam o trabalho do presidente mexicano, percentual que hoje subiu para 42,7%.
O publicitário Ricardo Dias avalia que o presidente peca ao manter uma postura rígida perante os narcotraficantes. “A estratégia do governo anterior era negociar com o narcotráfico, abrir um diálogo. O narco se espalhou de tal forma que não dá mais para enfrentá-lo combatendo como numa guerra. É óbvio que o governo perderá”, afirmou.
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