Velório de ex-presidente, morto na quarta-feira, reúne em Buenos Aires argentinos de diferentes partes do país e turistas
Ana Manfrinatto, especial para o IG em Buenos Aires
Foto: AP
Comovidos com o falecimento do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, que sofreu uma morte súbita após uma parada cardiorrespiratória na manhã de quarta-feira, os argentinos não param de se dirigir à Casa Rosada, sede do governo, para prestar sua última homenagem e dar apoio à presidente Cristina Kirchner.
No velório, que teve início às 10h (11h horário de Brasília), crescem filas de argentinos de diferentes partes do país e turistas. A contadora Hilda Perez, de 54 anos, viajou de ônibus com o marido da cidade de Saladillo para a capital para trazer uma flor para Kirchner. Enrolada na bandeira “celeste e branca” e fazendo o símbolo do partido peronista para a foto, ela contou que percorreu 240 km porque “precisava estar perto”.
Hilda contou que não sabe quando voltará para casa, mas não está muito preocupada com isso. “Quando perdemos um companheiro, alguém que foi como um amigo ou membro da família, precisamos desse ritual, da despedida”, diz.
A multidão impediu a professora de prestar sua homenagem ao ex-líder. Ela chegou ao velório antes mesmo de abrir, às 8h, mas depois de quatro horas na fila teve de voltar para casa, no bairro de Avellaneda, para cuidar da mãe idosa. Quando questionada sobre o que a havia feito deixar a mãe sozinha em casa para enfrentar horas de fila debaixo de sol, ela foi direta: “Amo Perón, amo Evita e amo Néstor”, disse Amanda.
O estudante de ciências políticas Jerónimo Gonzales, 26 anos, também não se importou com o sol forte ou mesmo com o que seu patrão pensaria de seu atraso. Ele e mais dois colegas deixaram o escritório para se aproximar do caixão do ex-presidente. “Vim ontem e voltei hoje porque temos a obrigação de apoiar a presidente Cristina neste momento tão difícil”, disse.
Nem todos, no entanto, tiveram de reprogramar a agenda para prestar a última homenagem a Kirchner. É o caso do montador de andaimes Javier Calisaya, 47 anos. Calisaya foi convocado para montar as estruturas metálicas que estão dispostas na Praça de Maio.
Na pausa que deu para o almoço, comendo um sanduíche de bife à milanesa e tomando um refrigerante, ele reconheceu a honra em trabalhar no “evento”, ainda que o motivo não seja tão nobre como ele gostaria. “Perdemos um companheiro! Graças a Kirchner tenho trabalho e, desde o início da gestão K, os salários aumentaram e as condições laborais melhoraram”, disse.
Turistas
E não são apenas argentinos emocionados que se aglomeram nos arredores da Casa Rosada. A quantidade de turistas que desfilam com suas câmeras fotográficas para registrar o momento é impressionante. Na Praça de Maio, as cariocas Ana Cecília Tourinho, 22 anos, e Ana Carsalade, 23 anos, queriam ver a mobilização popular de perto e "viver o momento histórico com os argentinos".
Essá é a primeira vez que o velório de ex-presidente é realizado na Casa Rosada. Antes de Kirchner, os funerais de líderes eram feitos no Congresso Nacional.
Trajetória
Kirchner morreu na quarta-feira após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Ele e sua mulher estavam desde o fim de semana em El Calafate. O ex-presidente teve de ser internado às pressas no hospital na cidade. Com problemas cardíacos, Kirchner já havia sido submetido a duas cirurgias de urgência neste ano, em fevereiro e setembro, após serem detectadas obstruções em artérias coronárias.
Kirchner foi presidente da Argentina entre 2003 e 2007. Atualmente, era secretário-geral da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Ele começou sua vida política em 1987, quando foi eleito prefeito da cidade de Río Gallegos, na Provícia de Santa Cruz. Ele conheceu a esposa, Cristina, durante a juventude e em 1975 os dois se casaram. O casal tem dois filhos, de 34 e 21 anos.
Enquanto Cristina já seguia carreira política em Buenos Aires, Kirchner foi eleito prefeito de Río Gallegos e depois, em 1991, foi eleito governador de Santa Cruz. Ele governou a província até 2003, após duas reeleições consecutivas, e foi esse cargo que impulsionou sua candidatura à presidência no mesmo ano.
Eleito presidente em 2003, Néstor Kirchner desistiu de concorrer à reeleição em 2007, apesar de estar em fim de mandato com uma popularidade de 50% - o mais alto nível de aceitação desde a restauração democrática, em 1983. Na época, analistas políticos especulavam que ele havia favorecido Cristina Kirchner, que então ocupava uma cadeira no Senado, com a perspectiva de voltar ao poder em 2011 e garantir ao clã pelo menos 12 anos consecutivos no poder.
Mas as chances de o plano dar certo diminuíram com a queda da popularidade de Cristina, que se elegeu em 2007 com a maioria de votos em todas as regiões da Argentina, com exceção de Buenos Aires, a área mais rica e populosa do país.
Os bons índices de popularidade do início do mandato caíram pelas denúncias de corrupção contra o casal, pela incapacidade de controlar a inflação e pela tentativa de cobrar um imposto agrícola que desatou um conflito de meses com os ruralistas em 2008. Como é considerada marionete do marido, os desacertos do governo Cristina acabaram manchando a reputação de Kirchner.